domingo, 24 de abril de 2011

A tirania da mídia


O que faz a moradora da periferia de São Paulo se importar com o vestido que Kate Middleton usará em seu casamento com o príncipe William no próximo dia 29 ? A única resposta possível é a centralidade da mídia em nosso cotidiano. Nesta sexta-feira, o mundo promete parar diante da TV para assistir aquele que deve ser o evento do século.

A cerimônia real terá transmissão internacional e deve atingir altos índices de audiência. Como afirma Ignacio Ramonet, a força da comunicação planetária e globalizada exerce, como nunca, um papel ideológico e opressor, inundando todos os aspectos da vida social, política, econômica e cultural. 

Assim como foi o funeral de Lady Diana, o casamento real será capaz de despertar emoções em pessoas que possivelmente nunca ouviram falar no primogênito do príncipe Charles, muito menos na plebeia Kate. O poder da mídia em transformar uma cerimônia da realeza britânica num evento global deriva da sua importância como principal instituição veiculadora de informação. O noticiário da proxima sexta deve mexer com o imaginário tanto da moradora da periferia de São Paulo quanto da executiva em Nova Iorque.

Imaginem a edição do Jornal Nacional do próximo dia 29. Quantos minutos serão dedicados ao casamento real? O preocupante é que todo esse poder da mídia, operando em conjunto (TV-jornal-internet) acaba explorando um acontecimento à exaustão e  ignorando outros de maior relevância em termos de interesse público. Ou alguém considera o matrimônio de Kate e William mais importante que o perigo de inflação no Brasil?

domingo, 17 de abril de 2011

Na periferia de Bróder, o que reina é o afeto

O que esperar de um filme rodado no Capão Redondo, em plena periferia de São Paulo? Tiros, drogas e violência? Bróder, do estreante Jeferson De, não esconde a realidade das “quebradas”, mas foge do senso comum ao contar uma história comovente de amizade em que a criminalidade é apenas pano de fundo. O que chama a atenção realmente é o afeto que move cada personagem.

Três amigos de infância. Jaiminho (Jonathan Haagensen), jogador de futebol que vive a expectativa de ser convocado para seleção brasileira; Pibe (Silvio Guindane), pai de família, simples, honesto e trabalhador e, Macu (Caio Blat), desempregado que acaba entrando no mundo crime, ele é o único que ainda mora no Capão. O reencontro dos jovens vai colocar a amizade à prova, juntos, terão que superar desavenças do passado e um inesperado dilema, que vai mexer para sempre com a vida deles.

Quem espera um Cidade de Deus paulistano vai se decepcionar. Em vez da pirotecnia do filme de Fernando Meirelles, Bróder investe em sequências longas, cenas casuais e um clima intimista. Tudo isso ajuda a criar um ambiente familiar. Outros detalhes presentes no longa que retratam bem a periferia brasileira é a religiosidade e a celebração em volta da mesa.

Mas o grande destaque da película de Jeferson De é o elenco. Além da grande atuação dos três amigos, o núcleo familiar de Macu, formado por Airton Graça, Cássia Kiss e Cíntia Rosa, está excelente. Por falar nisso, algumas cenas são tão tocantes e verdadeiras, que é difícil não se emocionar.

Quem conhece Jeferson De e sua militância na defesa de uma legítima cultura negra, talvez imaginasse um filme mais engajado, como Faça a Coisa Certa de Spike Lee. No entanto, o diretor adota um tom sutil para fazer sua crítica social. A cena da batida policial é simbólica nesse sentido. Até o fato de escalar um ator branco para o papel de protagonista surpreende num primeiro momento, mas ao assistir Bróder, todos concordarão com a escolha de Caio Blat. Ele está perfeito como o jovem "negro" de pele branca.

Porém, é inegável que Jeferson De teve que fazer algumas concessões para ter como parceiras, a Globo Filmes e a Columbia Pictures. Para se ter uma ideia, o lançamento do longa já foi adiado várias vezes. Além disso, os palpites de Daniel Filho, co-produtor do filme, também podem ser observados. Ironicamente, Bróder tem o respaldo da poderosa Globo, ao mesmo tempo em que conta com a trilha sonora de Mano Brown e a consultoria de Ferréz, ícone da cultura marginal.

Sucesso de crítica, Bróder foi premiado nos festivais de Paulínia e Gramado, sendo que neste levou o kikito de melhor filme, trilha sonora e montagem, além de direção para Jeferson De e melhor ator para Caio Blat. O longa também teve a honra de ser exibido no Festival de Berlim do ano passado. Agora, o desafio é convencer o público de que não se trata de mais um título do gênero favela movie. Quem assistir, terá a certeza disso e se comoverá com um história arrebatadora.

Estreia: 21 de Abril nos cinemas




sexta-feira, 8 de abril de 2011

O olhar infame da mídia


Imagino que o jornalista responsável por esta manchete do jornal A Tribuna tenha tido a intenção de ser criativo ou, pelo menos, fugir do lugar comum. Mas, sem a devida reflexão, acabou produzindo um título, no mínimo, controverso. A tragédia em Realengo, na Zona Oeste do Rio, causou uma tremenda comoção na sociedade brasileira, principalmente por envolver crianças. O episódio em si já é doloroso e revoltante demais, por isso mesmo, não precisa ser espetacularizado, ganhando contornos ficcionais e dramáticos. Numa situação como essa, a cobertura deve ser o mais equilibrada possível, respeitando o sofrimento dos familiares das vítimas e da população em geral. 

Em toda tragédia, a mídia adota uma postura reativa, promovendo uma verdadeira caça às bruxas. No caso da menina Isabela Nardoni, alguns formadores de opinião clamaram pela pena de morte. Quando o menino João Hélio foi morto brutalmente por um adolescente, alguns setores da imprensa exigiram a diminuição da idade penal. Agora, doze crianças foram assassinadas por um jovem transtornado. Jornais, TVs, sites e rádios questionam dessa vez a segurança nas escolas públicas, o comércio ilegal de armas, enfim, tudo o que pode ser considerado como o grande responsável por essa tragédia. O grande problema é que  depois de algumas semanas o debate desaparece da ordem do dia. A preocupação real da mídia dura o tempo em que o assunto rende notícia.


A morte de doze crianças durante a aula causa desconforto, um sentimento de impotência como um nó na garganta. Como o assunto aqui é a mídia, fica a pergunta: Como os meios de comunicação podem contribuir para evitar novas tragédias? Creio que tudo começa com uma grande mobilização em favor da tolerância e da solidariedade. A mesma mídia que potencializa atos de violência pode amplificar uma cultura de paz no país. Bons exemplos não estão no horário nobre das TVs nem nas manchetes de jornais, pelo contrário, o que se vê atualmente é a exposição de uma série de ações contra a dignidade humana.


Pela centralidade que ocupa em nossas vidas, a mídia deveria ser o lugar privilegiado para os grandes debates. Em vez de reativos, os veículos de comunicação poderiam ser propositivos de modo a promoverem uma mentalidade de corresponsabilidade na população. Todos somos culpados de alguma maneira pelas tragédias que se sucedem. Talvez nosso maior erro seja nosso olhar de indiferença sobre o próximo. Olhar que é incapaz de perceber a dor alheia. Na realidade, trata-se de um olhar infame, como geralmente é o da imprensa brasileira.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

A liberdade de expressão como desculpa


O assunto da semana foi a polêmica entrevista do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) no quadro O Povo Quer Saber do programa CQC (Band). O parlamentar, de extrema direita, elogiou a ditadura, desqualificou os estudantes cotistas, incentivou a violência contra homossexuais e associou promiscuidade à mulher negra. Bolsonaro representa a velha elite conservadora de nosso país. Um setor da sociedade que não respeita os direitos humanos nem a diversidade que caracteriza nosso povo. Por possuir imunidade parlamentar, o deputado não demonstra receio em propagar ideias racistas e discriminatórias.


Mas nesse episódio o maior desrespeito partiu da direção do CQC. A equipe do programa na hora da edição poderia ter refletido se a entrevista deveria realmente ir ao ar. O comentário feito pelo apresentador (Marcelo Tas) depois da fala do deputado é, no mínimo, cínico. Ele tinha conhecimento do conteúdo a ser veiculado e sabia da reação que poderia causar. Muitos defendem que o programa apenas respeitou o princípio da liberdade de expressão. No entanto, esse direito não pode estar em descompasso com a Constituição Federal. No caso, Bolsonaro utilizou um meio de comunicação para cometer o crime de apologia ao racismo, já que homofobia ainda não é tipificado como tal. 


É bom ressaltar que a Band não é proprietária do canal em que opera, mas, na verdade, uma concessionária do serviço público federal de radiofusão. Assim, está irremediavelmente sujeita às normas que regulam o setor. O CQC pode até alegar que exibiu a entrevista para levantar o debate sobre o assunto, porém todos sabemos que o interesse que norteia a TV comercial é a audiência. A polêmica entrevista rendeu a esperada repercussão ao programa, que deve voltar a explorar o caso na próxima semana.


Quando a liberdade de expressão é usada como desculpa para a humilhação demonstra o quanto precisamos amadurecer como democracia. O racismo ainda é aceitável em nosso país, apesar de ser crime, basta ver os comentários feitos por alguns internautas nas mídias sociais e nos portais de notícias. O racista ainda não causa a mesma repulsa que, por exemplo, o pedófilo. Creio que nunca seria veiculada a entrevista de um defensor da pedofilia. Por isso, nem tudo merece ser levado ao ar pelos meios de comunicação. Isso não se trata de censura, mas de apreço aos direitos humanos.