domingo, 31 de julho de 2011

O especialista a serviço da mídia

Gustavo Ioschpe no jato do JN no Ar Blitz Educação


Vire e mexe, a mídia lança peritos em determinados assuntos. Esses experts com suas fórmulas mágicas são figurinhas carimbadas em artigos de jornais, colunas de revistas e em reportagens na TV. Pesquisando sobre o discurso dos meios de comunicação sobre o professor, percebi que o especialista da vez, quando o tema é educação, é o economista Gustavo Ioschpe.

Além de ser colunista da revista Veja, Ioschpe recentemente participou da série especial de reportagens do Jornal Nacional Blitz Educação. Nela, ele visitava escolas públicas de ensino básico, escolhidas de acordo com o Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. O especialista também é fonte recorrente em programas da Globo News, além de ter artigos publicados no jornal da família Marinho. Ah, ia esquecendo, mas ele também aparece como perito na série Universidade, chave do futuro do Jornal da Globo.

Tamanha exposição fez com que pesquisasse mais sobre o currículo do especialista. Na consulta à plataforma lattes, nada. Então, recorri à boa, mas nem sempre confiável Wikipédia. Lá, há uma extensa biografia de Ioschpe. Autor do livro A Ignorância Custa um Mundo, é formado pela Wharton School, na Universidade da Pensilvânia, e mestrado em Economia internacional e Desenvolvimento Econômico, pela Universidade Yale, nos Estados Unidos.

No perfil do especialista disponível no site da série do Jornal Nacional, ele comenta que “(...) a discussão sobre a educação no Brasil estava povoada por achismos e ideologias, totalmente blindada em relação aos achados de décadas de pesquisas sólidas, continuando a propagar os mesmos chavões e idéias feitas que eu ouvira quando criança”. 

Nos diversos artigos do especialista, ele enxerga a educação com o olhar da economia, defendendo uma política de ensino baseada em metas e estatísticas. Na sinopse de seu livro, fica evidente essa visão “(...) Deixando de lado as discussões pedagógicas e filosóficas que dominam o debate nacional para enfocar a conexão do sistema educacional com o crescimento econômico, A Ignorância Custa Um Mundo estabelece um novo paradigma na discussão sobre educação no país”.

Uma de suas teses mais polêmicas é que não há nenhuma relação entre aumento salarial do professorado e melhora no desempenho dos alunos. Ele afirma que dinheiro não falta para educação e o problema seria simplesmente de gestão. Ioschpe também comprou briga com as entidades de classe do magistério ao afirmar que elas manipulam a opinião pública ao tratarem os professores como “coitadinhos”.

A última de Ioschpe foi sugerir a criação de uma lei que determine que toda escola pública coloque uma placa na entrada com o seu Ideb. Ele acredita que esse tipo de divulgação mobilizaria a sociedade em relação à educação brasileira. A ideia foi encampada por dois deputados federais, um deles é Ronaldo Caiado do DEM-GO, que apresentou projeto defendendo a proposta de Ioschpe. Em um dos seus artigos, o especialista ressalta que só o que importa é o resultado, ignorando o caráter social da educação, o contexto familiar dos estudantes e as condições de trabalho do educador.

Gustavo Ioschpe representa o pensamento neoliberal da educação em que o ensino é considerado apenas como instrumento de desenvolvimento econômico. Este conceito diverge com o da maioria dos acadêmicos, que vê o espaço educacional como lugar promotor da cidadania e da reflexividade. A revolução pela educação, preconizada por educadores como Paulo Freire, não passa exclusivamente pela melhora no Ideb, é preciso ir além dos índices.

Ainda sobre o perito, Ioschepe é articulista do Instituto Millenium, entidade que congrega, entre outros, grupos de comunicação como Abril e Globo. Além disso, é um colaborador corriqueiro dos programas de educação do PSDB. A proximidade do especialista com certos segmentos políticos e midiáticos da sociedade brasileira não invalida seu ideário, mas demonstra em que tipo de educação ele acredita.

domingo, 17 de julho de 2011

“Comunicar é confiar no outro”


A frase do título, retirada do livro É preciso salvar a comunicação de Dominique Wolton, sintetiza o ato comunicativo e demonstra como é importante pensar a comunicação como uma relação de confiança e não como um negócio lucrativo.

Diferentemente de informar, que se preocupa apenas em transmitir mensagens, comunicar significa, além de difusão, compartilhamento, ou seja, preocupa-se com as condições em que o receptor recebe, aceita, recusa, remodela, e como responde à informação.

Por isso, Wolton defende a ideia de que a comunicação é um processo mais complexo que a informação, pois se trata de um encontro com um retorno, o que prevê um certo risco. O autor diz “o essencial continua a ser, como sempre, a questão do outro e da difícil relação que pode ser estabelecida com ele”.

O que vemos hoje é um aumento no volume de informação. Somos bombardeados por mensagens por todos os lados, a telefonia móvel e a informática de bolso estão se sofisticando rapidamente no que se refere à oferta de conteúdo informativo. No entanto, essa realidade atende apenas demandas de consumo e não da comunicação como valor humanístico e democrático.

O mundo ao alcance de todos é uma panacéia, afinal, toda essa exposição não o torna mais compreensível. Mesmo presente em todos os cantos, a informação não consegue explicar uma sociedade marcada pela complexidade e pela diversidade cultural.

Assim, a comunicação vai se restringindo ao seu caráter funcional de somente transmitir informações necessárias para o funcionamento de nossa sociedade. Mas essa simplificação impede que o ato de comunicar cumpra sua outra função: a de estabelecer relações, coabitando com o outro e promovendo o diálogo.

Alguns imaginam que o diálogo é garantido ao responder enquetes na internet ou enviando mensagens para programas de TV. Como dizia, o sociólogo Betinho, “o termômetro que mede a democracia numa sociedade é o mesmo que mede a participação dos cidadãos na comunicação”. Dessa forma, comunicar exige envolvimento de ambos agentes (emissor e receptor). Quando não se respeita esse princípio, corre-se o risco de falar sozinho.

A sociedade da informação está cada vez mais se sobrepondo à sociedade da comunicação.

domingo, 10 de julho de 2011

A tática de ignorar o problema



O Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou na última sexta (10) um novo parecer sobre a obra Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. No texto, os conselheiros sugerem que os professores promovam uma contextualização crítica do livro com os alunos.

No parecer anterior, o CNE havia classificado a obra como racista e sugerido notas explicativas sobre o conteúdo da obra quanto à existência de estereótipos raciais. A repercussão negativa foi imediata, principalmente de grande parte da mídia e de alguns educadores. O parecer foi acusado de censura e o MEC decidiu que deveria ser refeito.

O novo parecer diz: “é essencial considerar o papel da educação escolar na superação dos preconceitos e estereótipos veiculados socialmente, na valorização da diversidade e na promoção da igualdade étnico-racial”. Nesse sentido, é importante que os professores estejam preparados para identificar a existência de mensagens discriminatórias em obras literárias e  que façam as devidas ressalvas.

O parecer prossegue: “Uma sociedade democrática deve proteger o direito de liberdade de expressão e, nesse sentido, não cabe veto à circulação de nenhuma obra literária e artística. Porém, essa mesma sociedade deve garantir o direito à não discriminação, nos termos constitucionais e legais, e de acordo com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil”.

E, apesar de reconhecer a qualidade ficcional e o valor literário da obra de Monteiro Lobato, o parecer ressalta que “(...) a literatura, em sintonia com o mundo, não está fora dos conflitos, das hierarquias de poder e das tensões sociais e raciais nas quais o trato à diversidade se realiza”.

A polêmica começou quando a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) acionou o CNE sobre o conteúdo racista do livro Caçadas de Pedrinho. Os trechos  “— É guerra e das boas. Não vai escapar ninguém — nem Tia Nastácia, que tem carne preta” e "Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou na árvore que nem uma macaca de carvão" são os que motivaram a denúncia da SEPPIR. O que pode ser considerado sem maldade num primeiro momento, analisado criticamente, fica evidente a conotação pejorativa.

Vetar o livro de Monteiro Lobato em sala de aula não é a melhor maneira de se promover uma educação antirracista. No entanto, a ideia das notas explicativas poderia ser útil para contextualização da obra. Ao recuar, o novo parecer deixa a responsabilidade única e exclusivamente com o professor. Como muitos educadores ainda não receberam uma formação sobre a temática étnico-racial, é provável que ignorem as orientações do CNE, até porque silenciar sobre questões polêmicas neste país resulta em menos dor de cabeça. 


Lamentavelmente, um retrocesso. 

domingo, 3 de julho de 2011

Quem está ao seu lado?



Vencedor de sete prêmios no XV Cine-PE, incluindo melhor filme, Estamos Juntos, de Toni Venturi questiona se o medo torna as pessoas mais egoístas. O longa conta a história da médica residente Carmem (Leandra Leal), que tenta se equilibrar entre trabalho, estudo e a solidão, tão típica das grandes cidades, como São Paulo.


Quem tenta anima a rotina da jovem médica é o amigo Murilo (Cauã Reymond), DJ que só pensa em cair na balada. A amizade dos dois é colocada em xeque quando surge Juan (Nazareno Casero), um sedutor músico argentino, que acaba mexendo com os sentimentos tanto de Carmem quanto de Murilo.

Mas Carmem ainda guarda um segredo – a estranha relação que vive com um misterioso rapaz (Lee Taylor). Ele está sempre ao lado da residente, como se fosse um anjo da guarda. Mas a vida da residente médica muda pra valer quando ela começa a apresentar sintomas de uma grave doença. Falta de concentração, desmaios e dores crônicas colocam em risco a carreira da promissora médica, que resiste a ideia de estar doente.

Neste momento, Elisa (Debora Duboc), enfermeira que trabalha com Carmem no hospital, convida a residente para ser voluntária no Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), entidade que ocupa prédios abandonados para abrigar famílias carentes. Lá, a médica conhece Leonora (Dira Paes), a líder do grupo, e o casal Nadinho (Sidney Santiago) e Maria (Erika Ribeiro). O trabalho no MSTC, a amizade abalada com Murilo, a paixão por Juan e a piora de sua doença deixam Carmem no limite de suas forças.

O longa de Toni Venturi (Cabra-Cega Latitude Zero) conta com excelentes atuações, particularmente Leandra Leal, que, mais uma vez, mostra que a TV ainda não lhe fez justiça. A atriz encarna as angústias de Carmem com maestria, como se as sentisse na pele realmente. Cauã faz um gay sem caricatura. Nazareno Casero e Lee Taylor são gratas surpresas.

Estamos juntos mostra que é possível se sentir sozinho mesmo convivendo com as pessoas. Paradoxalmente, o filme discute a ideia de sociedade em rede, em que todos estamos, de alguma maneira, conectados, e assim, somos corresponsáveis uns pelos outros. Outra atração é a cidade de São Paulo, mostrada não apenas como cenário, mas como se fosse um personagem vivo da história. A Estação da Luz, o Centro, os viadutos, o caos do trânsito, todo o DNA da capital paulistana, que acolhe ao mesmo tempo que afugenta.