segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Como esquecer: perdas que aproximam







O que fazer para superar a perda de um grande amor? Como esquecer, de Malu de Martino (Mulheres do Brasil) conta como essa busca pode ser dolorosa. Júlia (Ana Paula Arosio) é uma professora de literatura inglesa que luta para reconstruir sua vida após uma relação intensa com Antônia. Um drama contemporâneo que aborda temas que vão além da caricatura associada a homossexuais.

Deprimida e em meio a uma série de conflitos internos, Julia se isola do mundo, mas seu amigo Hugo (Murilo Rosa) tenta trazê-la para o convívio social. A perda é um traço que os une, e os dois vão morar juntos com Lisa (Natália Lage), uma jovem que também vive uma situação complicada. A professora viverá um experiência transformadora, dividindo tristezas, felicidades, tentando superar os traumas do passado e voltar a sorrir.

Ana Paula Arósio é uma verdadeira atriz dramática e, em Como esquecer, isso é comprovado. A dor de Julia parece incomensurável, ganhando contornos shakespearianos de tão carregada. Ela vive essa fossa com tanta intensidade que, às vezes, irrita. Talvez, a diretora tenha errado na dose. Mas quem pode julgar a perda do outro?

Adaptação da história autobiográfica de Miriam Campello, Como esquecer não pode ser reduzido a filme de temática GLS, como alguns sites citaram. Até porque a homossexualidade é uma questão secundária na história. Sem estereótipos, o longa de Malu de Martino fala de pessoas comuns que enfrentam um dos maiores dilemas da vida: a perda de alguém muito importante.

Como esquecer ainda conta Arieta Corrêa como a sedutora Helena, prima de Lisa, e Bianca Comparato vivendo Carmem Lygia, uma aluna de Julia que tenta ser íntima da professora.





segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Tropa 2: Uma tese simples, mas um filmaço


Sem dúvida, Tropa de Elite 2, de José Padilha, era o filme mais esperado do ano. Motivos não faltavam – da pirataria, passando pela acusação de fascista, até a consagração no Festival de Berlim. Será que Capitão Nascimento e seus ‘caveiras’ continuariam a ‘soltar o dedo’ e colocar os malandros no saco?  Se o primeiro não tinha a pretensão de ser um fenômeno, a sequência foi produzida para se tornar o maior sucesso do cinema brasileiro, desde a Retomada. Perfeito tecnicamente, Tropa de Elite 2 vai agradar a maioria, com ação do começo ao fim, com doses simplificadas de reflexão.

Capitão Nascimento (Wagner Moura), quinze anos mais velho, passa a ser comandante geral do BOPE e depois sub-secretário de inteligência. Ao fazer parte da cúpula da segurança pública do Rio de Janeiro, ele descobre, como o próprio subtítulo do filme diz, que "o inimigo agora é outro". No vácuo dos traficantes, policiais milicianos começam a tomar conta das comunidades, cobrando propina por serviços como “gatonet” e entrega de gás. A espinha dorsal do esquema inclui figuras da política, como deputados, secretários estaduais e até mesmo o governador.

Apesar de o filme alertar no começo que se trata de uma obra ficcional, a história é bem verossímil, com elementos que remetem a alguns fatos recentes da realidade. O deputado de esquerda, que defende os direitos humanos e quer abrir um CPI para investigar a polícia. A jornalista que arrisca a própria vida para conseguir provas contra os acusados. O apresentador sensacionalista de um programa policial que enaltece a ação do BOPE para obter mais audiência. Todos esses personagens mais o próprio Nascimento dão um ar de “baseado em fatos reais”, a estratégia cativa o público e confere veracidade.

Nesta sequência, Nascimento além de combater o sistema, precisa conviver com o distanciamento de seu filho. Para piorar, o padrasto do garoto é um de seus grandes desafetos. O comandante do BOPE se mostra mais humano em Tropa 2, apesar de seu jeito durão. O ‘herói’ é um cara sozinho, cheio de conflitos, que já não sabe porque aperta o gatilho. Wagner Moura está espetacular na pele desse ser tão complexo. Sua interpretação é um dos destaques do filme. Outras atuações marcantes são de Iradhir Santos, como o deputado Fraga, e Sandro Rosa como o policial miliciano Rocha.

Tropa 2 também salta aos olhos por seu resultado na telona. Cenas alucinantes que lembram os melhores filmes de ação norte-americanos. Fotografia e edição perfeitas. O roteiro, assinado por Braulio Mantovani, é bem construído e ajuda a dar ritmo a história. O único problema nesse sentido são algumas passagens, que poderiam ser excluídas na montagem, como a dos policiais milicianos numa lancha e a do governador reclamando do material de campanha.

Talvez o que mais incomode em Tropa 2 seja seu fatalismo. A narração do Capitão Nascimento não permite ao público outra conclusão que não esta: os políticos são os grandes culpados e o povo que os elegem é cúmplice. Uma tese que fica na superficialidade, mesmo quando tenta mostrar o embate entre esquerda e a direita em termos de discurso no combate à violência. Mas nada disso parece preocupar Padilha, que deseja simplesmente mostrar a barbárie em que a sociedade vive.  Com simplificações sociológicas ou não, o longa cumpre seu papel ao tocar em questões importantes. Além disso, muitos espectadores querem ver mesmo o Capitão Nascimento esculachando os criminosos e repetindo um de seus bordões, como “pede para sair”.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Memórias, encenações e um personagem singular

Pedro de Almeida, garimpeiro de 81 anos de idade, comanda como mestre de cerimônias o velório, o cortejo fúnebre e o enterro de João Batista, que morreu com 120 anos. O ritual sucede-se no quilombo Quartel do Indaiá, distrito de Diamantina, Minas Gerais. 

Com uma canequinha esmaltada, ele joga as últimas gotas de cachaça sobre o cadáver já assentado na cova: “O que você queria taí! Nós não bebeu ela não, a sua taí. Vai e não volta pra me atentar por causa disso não. Faz sua viagem em paz”.

Dessa maneira acaba o sepultamento de João Batista, após 17 horas de velório, choro, riso, farra, reza, silêncios, tristeza. No cortejo, muita cantoria com os versos dos vissungos, tradição herdada da áfrica. Descendente de escravos que trabalhavam na extração de diamantes, nas Minas Gerais do tempo do Brasil Império, Pedro é um dos últimos conhecedores dos vissungos, as cantigas em dialeto banguela cantadas durante os rituais fúnebres da região, que eram muito comuns nos séculos 18 e 19.

Garimpeiro de muita sorte, Pedro já encontrou diamantes de tesouros enterrados pelos antigos escravos, na região de Diamantina. Mas, o primeiro diamante que encontrou, há 70 anos, o tio com quem trabalhava o enterrou e morreu sem dizer onde. Depois disso, vive sempre em uma sinuca: para reencontrar o diamante só se invocar a alma de seu tio João dos Santos. “É um diamante e tanto, você precisa ver que botão de mágoa”. Ao conduzir o funeral de João Batista, Pedro desfia histórias carregadas de poesia e significados metafísicos, que nos põem em dúvida o tempo inteiro: João Batista tinha pacto com o Diabo?; O Diabo existe?; estamos sozinhos, ou as almas também estão entre nós?; como Deus inventou a Morte?

A atuação de Pedro e seus familiares frente à câmera nos provoca pela sua dramaturgia espontânea, uma auto-mise-en-scène instigante. No filme, não se sabe o que é fato e o que é representação, o que é verdade e o que é um conto, documentário ou ficção, o que é cinema e o que é vida, o que é africano e o que é mineiro, brasileiro.

O que diz o diretor:
“Na virada de 2004 para 2005, estava enredado pelo livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Famoso por atrair ao sertão de Minas Gerais gente de todo o mundo, o livro fez com que eu e minha mulher imprimíssemos uma viagem em busca do sertão mítico e profundo retratados pelo escritor.

No caminho, encontrei Pedro Vieira, conhecido como Pedro de Alexina, guardião das tradições fúnebres que os africanos trouxeram para a região de Diamantina no século 18. Esse encontro transformou minha viagem em uma expedição ao imaginário da tradição oral que remonta aos povos andantes. Essas histórias emendam-se umas nas outras, misturando os contos populares ao mundo vivido e a uma miríade de mitos de diferentes origens.

Dois anos depois, em maio de 2007, voltei ao Quartel do Indaiá, comunidade remanescente de quilombo, para fazer um filme com seu Pedro. Foram 30 dias de filmagens. Mediado pela imaginação, pela memória dos antepassados e de suas histórias, Pedro me levou a um lugar onde o sertão encontra a África de séculos atrás, onde a morte encontra a vida e onde Deus e o “Outro” coexistem”.

Em tempo: Conferi Terra deu Terra come no sábado e não tive inspiração suficiente para escrever algo à altura da magnitude desse filme instigante. Mas reproduzo aqui o release, divulgado no site oficial do longa e o depoimento do diretor Rodrigo Siqueira.

Em exibição no Espaço Unibanco Miramar 18h