sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A mídia ainda é racista?

Venício A. de Lima(*)

Uma pesquisa encomendada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), realizada pelo Observatório Brasileiro de Mídia (OBM), analisou 972 matérias publicadas nos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo, e 121 nas revistas semanais Veja, Época e IstoÉ - 1093 matérias, no total - ao longo de oito anos.

No período compreendido entre 1º de janeiro de 2001 a 31 de dezembro de 2008, foi acompanhada a agenda da promoção da igualdade racial e das políticas de ações afirmativas em torno dos seguintes temas: cotas nas universidades, quilombolas, ação afirmativa, estatuto da igualdade racial, diversidade racial e religiões de matriz africana.

Não é possível reproduzir aqui todos os detalhes da pesquisa. Menciono apenas cinco achados de um relatório de quase 100 páginas.

1. Com graus diferentes, os jornais observados se posicionaram contrariamente aos principais pontos da agenda de interesse da população afrodescendente. Em toda a pesquisa, as políticas de reparação - ações afirmativas, cotas, Estatuto da Igualdade Racial e demarcação de terras quilombolas - tiveram o maior o percentual de textos com sentidos contrários: 22,2%.

2. As reportagens veicularam sentidos mais plurais do que os textos opinativos que, com pequenas variações, se posicionaram contrários à adoção das cotas, da aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da demarcação de terras quilombolas. A argumentação central dos editoriais é de que esses instrumentos de reparação promovem racismo. Em relação à demarcação das terras quilombolas, os textos opinativos em O Estado de S.Paulo (78,6%) e O Globo (63,6%) criticaram o decreto nº 4.887/2003, que regulamenta a demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. O argumento principal foi o de que o critério da autodeclaração é falho e traz insegurança à propriedade privada.

3. A cobertura sobre ações afirmativas foi realizada, basicamente, em torno da política de cotas: 29,3% dos textos. Outros instrumentos pouco foram noticiados. O Estatuto da Igualdade Racial esteve presente apenas em 4,5% dos textos. A discussão sobre as ações afirmativas mereceu atenção de 18,9%. Quase 40% desses textos foram publicados em 2001, ano da Conferência sobre a Igualdade Racial em Durban, África do Sul. A lei 10.639/2003, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", praticamente não foi noticiada. Menções à lei foram feitas de forma periférica, em apenas 0,5% do total de textos, sem que os veículos tenham problematizado o assunto ou buscado dar visibilidade à sua aplicação.

A cobertura oferecida pelo jornal O Globo merece um comentário à parte. O jornal dedicou 38 editoriais sobre os vários temas pesquisados - destes, 25 (ou 65,8%) trataram especificamente de "cotas nas universidades". Os três jornais publicaram 32 editoriais sobre o mesmo assunto. O Globo foi, portanto, responsável por 78% deles.

Ainda que os principais argumentos contrários - as cotas e ações afirmativas iriam promover racismo (32%) ou os alunos cotistas iriam baixar o nível dos cursos (16%) - não tenham se confirmado nas instituições que implementaram as cotas, a posição editorial de O Globo não se alterou nos oito anos pesquisados.

4. Embora a maioria dos estudos e pesquisas realizadas por instituições como IBGE, IPEA, Seade, OIT, Unesco, ONU, UFRJ, Ibope e Datafolha, no período analisado, confirmem o acerto das políticas de ação afirmativa, apenas 5,8% dos textos publicados nos jornais noticiaram e debateram os dados revelados. Esses estudos e pesquisas trataram de assuntos como: menor salário de negros frente a brancos; menor presença de negros no ensino superior; negros como maiores vítimas da violência; e pouca presença de negros em cargos de chefia, dentre outros.

5. O noticiário das revistas semanais sobre a afrodescendencia e a promoção da igualdade racial teve características muito semelhantes ao encontrado nos jornais. Os textos com sentidos contrários às políticas de reparação (26,4%) foram em maior percentual do que aqueles com viés favorável (13,2%). Da mesma forma que nos jornais, a cobertura se concentrou nos programas de cotas - 33,1% - e o alto percentual dos textos que trataram das religiões de matriz africana (25,6%) foi o único que destoou da freqüência nos jornais: 4,7%.

Liberdades e direitos

Os resultados da importante pesquisa realizada pelo OBM denunciam um estranho paradoxo. Enquanto a grande mídia tem se revelado cada dia mais zelosa - aqui e, sobretudo, em alguns países da América Latina - com relação ao que chama de liberdade de imprensa (equacionada, sem mais, com a liberdade individual de expressão), o mesmo não acontece com a defesa de direitos fundamentais como a reparação da desigualdade e da injustiça histórica de que padece a imensa população negra do nosso país. Estaria a grande mídia mais preocupada com seus próprios interesses do que com o interesse público?

(*) Publicado originalmente no Observatório da Imprensa

2 comentários:

vanderleia costa disse...

Os donos da empresas de mídia sempre veiculam o que determinado grupo social ou político quer,raramente representam o desejo do povo e quané do o fazem tem interesse em influência-los.
A mídia torna -se racista por as classes sociais que ela representa voz, o serem.Não é de interesse da burguesia que negros e pobres tenham a mesma qualidade de educação que a deles,pois conhecimento é sinônimo de ascenção econômica.A imprensa anti cotista acaba sendo uma arma para boicotar direitos que trazem igualdade.

Théo Borges disse...

a imprensa é muito racista, por que o homem é racista. tem seus preconceitos e nao tentam, ao menos, mascara-los.
no entanto a população esta tornando-se mais politizada sobre essas situações, e os meios de comunicação que ainda tentam colocar suas ideias retrógradas acabam perdendo credibilidade.
é claro que ainda nos falta muito dissernimento, muita leitura, muita cultura, mas vejo que há pessoas lutando, as vezes´sozinhas, para buscarem a igualdade de direitos.

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