sábado, 11 de setembro de 2010

Números que dizem quase tudo

Já é tradição. O dia é riscado no calendário. A pauta preestabelicidda. A capa do jornal reservada. Os jornalistas não veem a hora de repercutir. A divulgação de estudos do IBGE ou de outras instituições de pesquisa é um bálsamo para as redações, ávidas por um assunto que renda boas matérias. Dependendo da linha editorial do veículo, os números apresentados serão superdimensionados ou relativizados, principalmente em tempos de campanha eleitoral. No centro de tudo isso, o cidadão, que não sabe se o Brasil vem melhorando ou não.

Primeiro, vamos a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgada na última quarta (dia 8): 

Segundo a pesquisa, o índice de lares brasileiros que ainda não têm acesso a rede coletora ou fossa séptica chega a 26,4%. Isso significa que cerca de um em cada quatro casas utilizam formas irregulares de esgotamento ou deixam os dejetos a céu aberto.

No mesmo levantamento, 98,2% dos domicílios têm luz, um acréscimo de 0,5% em relação ao ano anterior. Em relação ao abastecimento de água, 83,3% das casas brasileiras possuem esse serviço, o ritmo de 2007 foi o mesmo do ano anterior: 0,1%. A coleta de lixo atinge 87,5% dos domicílios brasileiros, um acréscimo de 0,9% comparado a 2006.

Ainda segundo a Pnad, um em cada cinco brasileiros com 15 anos ou mais é analfabeto funcional. O número corresponde a mais de 29 milhões de pessoas, ou 20,3% da população nesta faixa etária, que é de 143 milhões. No período de 2004 a 2009, o analfabetismo entre os brasileiros com mais de 15 anos caiu de 11,5% para 9,7%.

Já a pesquisa A Nova Classe Média: o lado brilhante dos pobres, da Fundação Getúlio Vargas revela que cerca de 3,1 milhões de pessoas das classes D e E migraram para o segmento C, entre 2008 e 2009. Com isso, 94,9 milhões de pessoas passaram a compor a classe média, totalizando 50,5% da população. A pobreza, representada pela classe E com 28,8 milhões de pessoas, recuou 4,34% em plena crise, isso significa que um milhão de brasileiros cruzou a linha da miséria. 

Até julho deste ano, o mercado formal de trabalho criou 181.796 vagas, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho e Emprego. Com isso, o saldo acumulado em 2010 chega a 1.655.116 empregos com carteira assinada, representando uma expansão de 5,02%, no melhor resultado para o período, desde que foi criado o índice.

Diante de tantos números, o leitor fica perdido, não tendo a noção exata do que eles representam em termos de avanço ou retrocesso. A expansão de serviços básicos, como rede de esgoto e abastecimento de água, tem sido lenta no Brasil? Lógico que sim, principalmente para um país que pretende ser a quinta economia mundial. Mas se pensarmos que o país possui dimensões continentais, com abismos entre os estados da federação, podemos ter uma ideia das dificuldades para conseguir a cobertura total desses serviços. 

Quando o assunto é economia, a imprensa costuma comparar o crescimento do PIB brasileiro ao da China ou da Índia, mas isso é factível? Apesar de nações emergentes, há grandes diferenças em relação ao regime de trabalho e ao tipo de mercado que caracteriza cada país. Aspectos históricos e culturais também são ignorados nessa análise comparativa.  Seria mais razoável ter como referência os números de nossos vizinhos, como a Argentina.

Parece que os dados são manipulados conforme o enfoque que o jornal pretende dá a matéria. As análises seguem uma linha ora alarmista ora otimista, faltando equilíbrio para uma interpretação mais precisa e dentro da realidade. Aquela máxima de que os números não mentem jamais não se aplica necessariamente ao trabalho da imprensa. A apresentação de pesquisas sem a devida contextualização não favorece o debate, pior, torna o assunto restrito a tecnocratas, especialistas em decodificar números.

A discussão em torno dos resultados apresentados pela Pnad é importante para que a opinião pública cobre ações efetivas do Estado, com metas e prazos bem definidos. Não há mais como conviver com esse índice tão elevado de lares sem esgoto ou de brasileiros em situação de miséria, mesmo que esse quadro venha mudando nos últimos anos. 

O jornalista precisa enxergar além dos números frios, afinal, por trás de gráficos e tabelas sobre o analfabetismo, existem milhares de pessoas que não sabem ler nem o próprio nome.

2 comentários:

André Henrique disse...

Eu tô trabalhando no Censo do IBGE, e observei que em alguns apartamentos da CDHU têm TVs de LCD, Home Theater, casas com textura nas paredes, casas com computador e acesso à Internet, automóvel,motocicleta,etc.Coisas que uma pessoa que mora em casas de luxo possuem.Hoje,as pessoas que têm menos poder aquisitivo estão tendo acesso à estes itens.Tudo isso em prédios feitos para pessoas de baixa renda.
Daqui há alguns anos, estes Conjuntos Habitacionais feitos para pessoas pobres, se tornarão bairros de classe média,como por exemplo o Jardim 31 de Março,o Costa e Silva,em Cubatão;onde os governantes nunca imaginaram que estas pessoas teriam um carro ou uma moto na garagem.
Há também outro fenômeno;pessoas que moram em favela também estão tendo acesso à todas estas tecnologias.

Michel Carvalho disse...

Caro André,

Seu relato ajuda a ilustrar essa migração das classes E e D para C.

Nesse sentido, o Brasil vem melhorando, mas ainda resolver problemas básicos, como o analfabetismo e a falta de esgoto.

Abs