quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Feridas escancaradas

Depois de assistir Garapa, documentário em preto e branco de José Padilha, decidi nunca mais usar a expressão “morrendo de fome” para exteriorizar que estou com muita vontade de comer. É lógico que essa atitude é insignificante diante dessa mazela social, mas seria um pecado continuar falando isso, sabendo que, segundo a ONU, mais de 900 milhões de pessoas ainda sofrem com a fome crônica no mundo.

O filme de Padilha provoca um mal-estar dilacerante que se transforma num sentimento de impotência. Garapa acompanha de perto a vida de três famílias cearenses que convivem com a miséria, a desesperança e a fome. A realidade nua e crua choca por mostrar seres humanos em situações tão degradantes, como a de uma criança cheia de feridas com moscas pousando por cima. Realmente, será difícil esquecer essas imagens.

À frente dessas famílias estão Rosa, Robertina e Lúcia, mulheres sofridas que são obrigadas a criar mecanismos de sobrevivência para seus filhos. As panelas vazias denunciam a falta de alimentos, o que resta é apenas a mistura de água e açúcar, a famosa garapa que simboliza a desnutrição. Esse retrato desolador é agravado pelo número de crianças em cada casa. Para se ter uma idéia, uma das mães tem onze.

Os homens, sem trabalho por causa da seca, acabam caindo no alcoolismo. Como se observa, um problema desencadeia uma série de outros. Muitos causados pela omissão do poder público. Entre as famílias retratadas no documentário, por exemplo, apenas uma era beneficiária do Bolsa Família. E por falar nisso, os críticos desse programa deveriam assistir Garapa para mudarem a idéia de que se trata apenas de esmola.

Depois do sucesso de Tropa de Elite, Padilha faz um filme engajado que divide o público. Muitos acreditam que o diretor exagerou ao expor as famílias e, principalmente, as crianças de uma maneira tão explícita. Outros garantem que esse olhar mais íntimo é necessário para denunciar a fome, um mal que envergonha qualquer um como ser humano.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Quem tem razão, Oliver Stone ou Veja?


Publicado dia 06 de set.2009 no Portal IG

Veneza aplaude filme de Oliver Stone sobre Chávez


Apresentado fora de competição para a imprensa, "South of the border" (Ao sul da fronteira), descreve em 75 minutos, com diversas entrevistas e anúncios feitos pelas redes de comunicação norte-americanas, as mudanças políticas atravessadas pela América Latina nos últimos dez anos a partir da eleição de Chávez, em 1998. "Sim, é possível mudar o curso da história, esta é uma revolução pacífica, mas armada", afirma o presidente venezuelano numa passagem do filme.

Para Stone, autor de "Comandante" (2003), sobre o líder cubano Fidel Castro, e de "Salvador" (1986), sobre o conflito na América Central, Chávez "não é o inimigo público número um" que os Estados Unidos temem e acusam.

Apesar da aquiescência com que trata o líder venezuelano, o filme é um importante documento histórico que reúne as opiniões de sete presidentes latino-americanos sobre a evolução política da região, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva."Durante muitos anos tivemos uma elite servil aos Estados Unidos", reconhece Lula no filme.

Stone, de 62 anos, ganhador de três Oscar pelo roteiro do filme "O expresso da meia-noite" (1978) e pela direção de "Platoon" (1986) e "Nascido em 4 de julho" (1989), combina conversas informais com declarações oficiais para apresentar um retrato do líder venezuelano.

Escrito por Stone ao lado do intelectual de esquerda anglo-paquistanês Tariq Ali, o documentário critica a tradicional visão dos Estados Unidos, que veem a região como seu "quintal".

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Quando o ingresso vale pelos atores em cena

Para Daniel Filho, não bastava bater todos os recordes de bilheteria com Se Eu Fosse Você 2, ainda faltava uma obra-prima para marcar sua carreira de diretor. Tempos de Paz é uma tentativa nesse sentido. Sem grandes pretensões de público, o longa apresenta uma história emocionante, com atuações de gala.


O filme retrata um período de transição da história mundial. Em abril de 1945, a 2º Guerra estava chegavando ao fim. Clausewitz (Dan Stulbach), ator polonês, desembarca no Brasil a fim de construir uma vida nova. Mas Segismundo (Tony Ramos), interrogador alfandegário e ex-torturador da polícia política de Getúlio Vargas , desconfia que o imigrante é na verdade um nazista fugitivo.


Clausewitz é interrogado por Segismundo na sala de imigração do porto do Rio de Janeiro. Para ficar no Brasil, o ator polonês precisa usar de toda sua arte para sensibilizar o truculento funcionário da Alfândega. Durante a conversa, muitas revelações são feitas. Fantasmas do passado vêm à tona. O encontro entre os dois rende momentos especiais, da tragédia à comédia.


Criticado por alguns por ser demasiadamente teatral, Tempos de Paz é um filme para quem gosta de grandes interpretações. É verdade que os diálogos parecem bem coreografados, mas nada que comprometa a naturalidade. Outro destaque do longa é a bela fotografia, especialmente na cena do desembarque do navio.


Inspirado na peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz de Bosco Brasil, o filme de Daniel Filho é um verdadeiro tributo ao teatro e a seus artistas. Além disso, Tempos de Paz presta uma merecida homenagem aos imigrantes europeus, expulsos pelo nazismo, que ajudaram a engrandecer a cultura brasileira.