sábado, 29 de outubro de 2011

Em busca de graça



Não lembro recentemente de um filme que fez o público rir e chorar. Ora drama, ora comédia, O Palhaço, de Selton Mello, encanta pelo lirismo e simplicidade. A arte de fazer rir é o enredo desse road movie, que rememora os áureos tempos em que o circo levava a fantasia do picadeiro às cidades e sempre era recebido pelo sorriso fácil de uma criança.

Benjamim (Selton Mello) e seu pai, Valdemar (Paulo José) formam a dupla de palhaços Pangaré e Puro Sangue do Circo Esperança. Eles e a trupe percorrem o Brasil procurando um lugar onde possam armar a lona e ganhar uns trocados com sua arte. A vida na estrada é incerta, o que não tira a alegria do grupo, que entre uma parada e outra, aproveita para cantar e contar histórias.

Mas, aos poucos, Benjamim vai demonstrando um certo desânimo com a vida no circo. Sem RG, CPF e comprovante de residência, o palhaço vive uma verdadeira crise de identidade. Ele, que deveria fazer rir, perde a graça e se vê diante de um dilema: qual será a sua vocação? Em busca de respostas, parte rumo ao desconhecido.  Benjamin é o retrato da própria arte circense. Um ofício em extinção, mas que nunca perde sua magia.

Além de uma belíssima fotografia e uma história cativante, O Palhaço impressiona por suas atuações. Selton Mello coleciona mais um personagem complexo, que provoca riso mesmo estando triste. Paulo José está sensacional. O elenco parece escolhido a dedo, tamanha a sintonia entre todos. E a pequena Larissa Manoela, que emociona só de olhar. O filme ainda conta com muitas participações especiais, com destaque para Moacir Franco, Tonico Pereira e Jorge Loredo, o eterno Zé Bonitinho.

Em entrevista, Selton Mello comentou que O Palhaço é um bálsamo, um filme que faz bem ao espírito. E ele acertou em cheio, o sentimento é que viajamos no tempo para um lugar em que para ser feliz é preciso de pouco. A trilha sonora com pérolas da música brega (ou romântica se assim preferir) também ajuda a construir esse clima saudosista.

O Palhaço foi premiado no Festival de Paulínia, com melhor roteiro, figurino, ator coadjuvante para Moacir Franco e melhor diretor de ficção. Depois de uma estreia muito intimista na direção com Feliz Natal, Selton Mello mostra que amadureceu, apostando numa história de apelo popular, o que não significa falta de bom gosto. Pelo contrário, O Palhaço é pura poesia e metalinguagem, isto é, a arte do cinema refletindo sobre a arte do circo.



sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Essas imagens merecem destaque na mídia?

Corpo do ex-ditador líbio Muammar Kadafi, morto pelas forças rebeldes do país, durante operação militar 
Foto: Reuters
Corpo de Mutassim, filho de Muamar Kadafi

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Uma aventura ao universo de Jorge Amado



Sinta-se transportado para o universo de Jorge Amado. A Bahia, marginal e esplendorosa, com todo seu tempero e ginga. Depare-se com seus tipos mais famosos, como o malandro, a folgosa e a mãe de santo. Capitães da Areia, de Cecília Amado, neta do escritor, garante essa aventura. Mais do que um filme, a versão cinematográfica do clássico de Jorge é uma justa homenagem a um dos maiores nomes de nossa literatura.


Em Salvador, na década de 30, menores abandonados formam um bando chamado de Capitães da Areia e se instalam no Trapiche, um velho prédio. Liderados por Pedro Bala (Jean Luis Amorim), eles praticam roubos pelas ruas da cidade. Cada garoto ali tem uma história de violência e sofrimento para contar. Desde cedo, os capitães aprenderam o que é ser entregue à própria sorte.


Pedro Bala é considerado um herói pelos Capitães da Areia, aquele que conhece todos os becos de Salvador. Por ser o chefe, o rapaz precisa tomar decisões difíceis, como expulsar alguém que não cumpra as regras do grupo. Seu braço direito é Professor (Robério Lima), o cérebro do bando, responsável por planejar os assaltos. O garoto, que tem o dom de desenhar, adora contar histórias mirabolantes.


Gato (Paulo Abade), bom de jogo e de capoeira, joga todo seu charme para conquistar a prostituta Dalva (Ana Cecília). Sem Pernas (Israel Gouvêa), aleijado e muito infeliz, é peça central de um plano do grupo para roubar uma família rica. A revolta do garoto cresce à medida da falta de esperança numa vida melhor. Já Boa Vida (Jordan Mateus), é o bom malandro, o que mais brinca no bando, o menino adora uma roda de música e mexer com a mulherada. 


A rotina de armações dos Capitães da Areia muda com a chegada de Dora (Ana Graciela), uma garota que perdeu sua mãe, vítima de uma epidemia de varíola que assolava a cidade. Com seu jeito carinhoso e valente, ela encanta a todos no Trapiche, até Pedro Bala que, no começo, não gostou da ideia de ter uma menina no bando, acaba não resistindo aos encantos de Dora.

O elenco é formado basicamente por não atores. São garotos que foram selecionados em organizações culturais de Salvador e passaram por oficinas de interpretação. Essa fórmula já foi usada em Pixote, Cidade de Deus e Querô. Mas em Capitães da Areia, a fórmula não funciona tão bem. O grande destaque é Ana Graciela, que atua com doçura e naturalidade. 


Jorge Amado escreveu o livro Capitães da Areia com 24 anos. As marcas de sua juventude estão em cada página. Um grito por liberdade ecoa em toda a história. Cecília tem o mérito de conseguir transportar esse sentimento para o filme, mesmo que não surpreenda.  Se falta ousadia, sobra louvação à Bahia de todos os santos.

sábado, 8 de outubro de 2011

Meu País: reencontos e descobertas



Há um país dentro de cada um de nós. Um lugar misterioso, às vezes, inatingível, do qual somos tão íntimos quanto estrangeiros. Essa é a premissa de Meu País, de André Ristum. O drama conta uma história de reencontros e descobertas, em que o maior desafio é mostrar o que se sente. Contando com um ótimo elenco e uma bela fotografia, o filme tem uma aura de cinema europeu, o que é atraente, mas também causa um estranhamento.

Marcos (Rodrigo Santoro) é um empresário bem-sucedido e que há muito tempo deixou o Brasil para viver em Roma. Casado com a italiana Giulia (Anita Caprioli), ele se vê obrigado a retornar ao país, depois da morte de seu pai (Paulo José). Tiago (Cauã Reymond), irmão de Marcos, é viciado em jogo e está gastando a grana da família para pagar suas dívidas.

Depois de acompanhar o funeral do pai, Marcos imaginava que logo estaria de volta à Itália. Mas além de ter que administrar os negócios da família e cuidar dos problemas causados por Tiago, o empresário descobre que tem uma meia-irmã, Manuela (Debora Falabella), que vive numa clínica psiquiátrica. A jovem, que tem idade mental de uma criança, precisa de um lar e de carinho. O surgimento de Manuela mexe com Marcos, que terá que aprender a cuidar de alguém.

Tiago, cada vez mais endividado e envolvido com pessoas perigosas, não quer conviver com Manuela, nem aceita as ordens do irmão para controlar as finanças da família. Giulia precisa voltar à Itália. Diante desses dilemas, Marcos precisa tomar uma decisão, mas para isso precisa fazer um mergulho em si próprio, superando diferenças e vazios.

O que não fica muito claro é o que aconteceu para que Marcos ficasse tanto tempo sem rever seus familiares. A história também não explica o ressentimento que existe entre ele e Tiago. Até seus negócios na Itália são uma incógnita. Outro hiato é a relação que o pai tinha com os filhos. Essas pistas ajudariam a entender melhor essa família, mas não chegam a comprometer a alma do filme.

Com uma atuação brilhante, Rodrigo Santoro mostra porque é hoje o principal nome brasileiro no cinema internacional. Debora Falabella está muito bem vivendo um personagem complexo que exige uma interpretação sem exageros. Cauã, em mais um papel como jovem irresponsável, é razoável. Talvez seja a hora de encarnar outros tipos. Já Paulo José, em apenas alguns minutos, rouba a cena. Um gênio.

Sucesso de crítica, Meu País levou cinco prêmios oficiais no Festival de Brasília, entre eles, melhor ator para Rodrigo Santoro; diretor para Andre Ristum e o de melhor longa do júri popular. Merecido. Com relação ao estranhamento, a sensação logo passa pela qualidade da película. 

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Será que tudo depende do ponto de vista?

Unanimidade e verdade absoluta são conceitos inexistentes na sociedade contemporânea marcada pela multiplicidade de opiniões. Talvez existam temas mais sagrados em que a adesão das pessoas é quase total e imediata, como a repugnância à pedofilia ou ao combate à miséria. Mas esses assuntos são exceção, na maioria da vezes, tudo tende a se polemizar, justamente pelo ponto de vista de cada um. Vejamos alguns acontecimentos recentes:

1) A suspensão do comercial da Caixa que mostrava o escritor Machado de Assis, negro,  sendo interpretado por um ator branco;

2) O pedido da Secretaria de Políticas para as Mulheres ao CONAR para a retirada da propaganda da Hope, acusada de sexista;

3) A ausência do humorista Rafinha Bastos na bancada do programa CQC na última segunda após fazer uma piada com a gravidez da cantora Wanessa Camargo.

Nos três casos,  houve uma grande discussão a respeito de um tema em comum: liberdade de expressão ou artística. Argumentos contra ou favor se multiplicaram na internet. Particularmente, defendo as três medidas (retirada dos comerciais e veto ao humorista), até porque não acredito em liberdade irresponsável e irrestrita, principalmente em relação à mídia. Mas o  interessante é pensar que os temas são complexos, porque envolvem desde questões culturais, étnico-raciais e de gênero até econômicas.

Vivemos a era da complexidade em que o avanço tecnológico convive com a exclusão social, a liberdade se choca com os direitos humanos e os valores éticos, e a criatividade  se vê ameaçada pelo politicamente correto. Nossa postura diante esses fatos depende das várias mediações  que nos circundam (familiares, educacionais, religiosas e ideológicas), isso quer dizer que "ponto de vista' não tem necessariamente relação com coerência, bom senso ou veracidade. Toda postura é, de certa maneira, contaminada, atravessada por várias outras. 

Diante disso, o consenso não deve ser um objetivo, mas um fator opcional. O que deve prevalecer é a tentativa do debate, mas no campo das ideias e não na busca da eliminação do outro. Tempos complicados, mas melhores, principalmente se pensarmos que já existiu uma ditadura do pensamento único em nosso país.