quarta-feira, 30 de junho de 2010

Factóides em série


Nem tudo é verdade no jornalismo. Essa idéia nunca foi tão verdadeira. A falta de apuração explica a crise de credibilidade em que vive a imprensa. O documentário O Abraço Corporativo, de Ricardo Kauffman, expõe essa fragilidade de forma contundente. O longa narra a saga de Ary Itnem, um fictício consultor de RH que busca divulgar a inusitada teoria do abraço na mídia.
O falso consultor se diz representante da CBAC (Confraria Britânica do Abraço Corporativo). A teoria ‘vendida’ se baseia na ideia que devido ao uso das novas tecnologias, as pessoas foram acometidas pela inércia do afastamento. Assim, o abraço seria um instrumento para reaproximá-las. A produção do documentário enviou releases às redações e logo começaram os pedidos de entrevistas.
Apesar de muito bem interpretado pelo ator Leonardo Camillo, Itnem deixa pistas para ser desmascarado. O site da tal CBAC afirma que há um documento registrado em cartório que comprova o trabalho do consultor. Mas, na verdade, ele explica a produção do documentário, inclusive que a teoria é fictícia. Mas nenhum jornalista teve a curiosidade de consultar essas informações, isso explica como ‘abraçaram’ essa pauta, no mínimo, estranha.
Ao longo do documentário, acadêmicos, jornalistas e outras personalidades criticam o processo de produção da notícia na atualidade. O professor da USP, Eugênio Bucci, fala que o jornalismo foi reduzido ao entretenimento. Já Juca Kfouri diz que hoje predomina o jornalismo declaratório, o famoso “abre aspas”. Na sociedade do espetáculo, como observa um especialista, o que vale é a simulação e não o fato em si.
O Abraço Corporativo recebeu Menção Honrosa na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Sem orçamento ou patrocínio, Ricardo Kauffman demorou cinco anos para finalizar o audacioso projeto. O filme é um alerta para a banalização da informação ao escancarar os vícios do jornalismo. Mesmo assim, é melhor imaginar um país com uma imprensa ruim do que sem nenhuma. O negócio é não acreditar em tudo que é noticiado, pois neste exato momento estão sendo produzidos novos factóides.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O Brasil precisa de mais cinemas

Do site do MinC

Foi lançado na tarde desta quarta-feira, 23 de junho, no Cine-Teatro do Centro de Convenções de Luziânia (GO), o Cinema Perto de Você - Programa de Expansão do Parque Exibidor. O evento contou com a participação do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, do ministro da Cultura, Juca Ferreira, e do diretor-presidente da Ancine/MinC, Manoel Rangel.

Criado para estimular e acelerar a implantação de salas de exibição no País, o Programa Cinema Perto de Você marca uma nova etapa na política pública de fortalecimento do cinema e do audiovisual no Brasil. “O cinema deve ser um ponto de encontro e um local de utilidades múltiplas”, disse o presidente Lula.

Trata-se de um conjunto inédito de mecanismos e ações diversificadas de crédito, investimento e desoneração tributária que incentiva a iniciativa privada e as Prefeituras e Governos estaduais a investir na expansão do parque exibidor, especialmente nas cidades médias do interior e nas zonas urbanas dos grandes centros, que apresentem baixa densidade de salas.

O diretor-presidente da Ancine/MinC, Manoel Rangel, lembrou que, em 1997, havia pouco mais de mil salas em todo o Brasil. Para Juca Ferreira, este foi um momento de muita alegria. “A assinatura da medida provisória que cria o programa não é um ato isolado. Desde que chegamos ao MinC, todo nosso esforço tem sido no sentido de produzir um deslocamento do cinema para o interior do país”.

A meta é estimular abertura de 600 novas salas, no período de quatro anos, além do ritmo normal de crescimento apresentado pelo setor. “Vamos convencer prefeitos e estimular empresários a adotar o Programa. Precisamos mostrar a eles que pode ser melhor, por exemplo, abrir um cinema onde há um imóvel sem utilidade pública ao invés de vendê-lo”, lembrou o presidente da República.

Desenvolvido pelo Ministério da Cultura e pela Ancine, e operado em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a ação foi concebida para contemplar especialmente as regiões Norte e Nordeste, mais carentes de salas de exibição, e a nova classe C, estrato social no qual o consumo mais cresce e que já representa mais da metade da população brasileira. “É por isso que o programa Cinema Perto de Você é um passo muito importante para a economia do país”, ressaltou o ministro Juca Ferreira.

Mais informações, clique aqui

***

Mesmo que tardio, o projeto é muito importante por levar o cinema para municípios que não contam com salas de exibição. Segundo o IBGE, 80% dos brasileiros nunca assistiram a um filme na telona. No Brasil, a um cinema para cada 86 mil pessoas, mas no Nordeste essa relação passa de uma sala para cada 120 mil.

Mas muita gente se engana pensando que essa realidade é restrita ao interior às regioões Norte/Nordeste. Por exemplo, a cidade de Cubatão, a poucos minutos da capital paulista, com mais de 100 mil habitantes, não tem cinema. O que predomina hoje são as grandes redes estrangeiras, como a Cinemark, abrigadas nos shoppings que geralmente só exibem blockbusters. Infelizmente, as salas mais tradicionais e com uma programação diferenciada estão fechando.

Diante desse quadro, espero que a iniciativa aproxime a sétima arte da população brasileira, formando um novo público. Afinal, mais do que entretenimento, cinema é cultura e precisa estar acessível a todos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Em sintonia com o Brasil

Você conhece a TV Brasil? Se não, deveria.

A TV Brasil é uma emissora pública gerida pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação) que surgiu com a proposta de ser um canal a serviço da sociedade brasileira, respeitando a pluralidade de opiniões e a diversidade regional de cada canto do país. Num primeiro momento, muitos desconfiaram que a TV Brasil se tornasse um canal estatal, destacando apenas as ações de governo, mas aos poucos, a emissora vem oferecendo uma programação de qualidade, sem ingerência política.

Com uma grade diversificada, a TV Brasil se destaca pelos programas de conteúdos culturais, educativos e jornalísticos. Entre séries infantis, musicais, debates, grandes reportagens e mostras de cinema nacional e latino-americano, a emissora se coloca como um contraponto aos canais comerciais, que privilegiam o entretenimento no seu significado mais vulgar. Na busca pela audiência, o cidadão é reduzido à condição de consumidor.

O grande dilema da TV Brasil é enfrentar o mito de que toda emissora pública é chata e elitista. Essa visão foi construída ao longo dos anos por causa da falta de uma programação que aliasse cultura com uma linguagem sedutora. Mas sedução no sentido de conquistar o telespectador e estimulá-lo a pensar sobre questões importantes sobre o país e o mundo, sem ser catedrático nem enfadonho.

Essa quebra de paradigma passa necessariamente pela representação da sociedade civil no Conselho Curador da emissora. É preciso assegurar que diferentes atores sociais terão voz nos rumos da TV Brasil. Não é um assunto exclusivamente técnico, pelo contrário, o canal precisa se comunicar tanto com a dona-de-casa quanto com o professor universitário. Só assim, a emissora será de fato pública, coletiva, sintonizada com o povo brasileiro.

Veja como sintonizá-la

http://www.tvbrasil.org.br/saladeimprensa/como-sintonizar.asp

Acesse seu canal na Web

http://www.tvbrasil.org.br/webtv

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Uma voz contra o imperialismo norte-americano

Panfletário, Ao Sul da Fronteira de Oliver Stone defende com contundência a tese que a América do Sul está vivendo uma verdadeira revolução, ignorada pelo resto do mundo. O diretor sai em uma viagem pelos países da região e narra a luta de seus governantes contra o imperialismo norte-americano, além de denunciar a manipulação da mídia dos EUA a respeito da realidade dos sul-americanos.

Stone conversa com os presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Lula da Silva (Brasil), Cristina Kirchner (Argentina), bem como seu marido e de ex-presidente Néstor Kirchner, Fernando Lugo (Paraguai), Rafael Correa (Equador) e Raúl Castro (Cuba). No entanto, a estrela do documentário é o mandatário venezuelano. Mostrando sua face mais humana, Chávez aparece como um homem destemido, honrado, que morreria pelo seu povo.

Ao Sul da Fronteira identifica o governo Lula como de centro-esquerda, contrapondo-se ao estilo de seus amigos mais radicais, que romperam com o FMI, estatizaram petrolíferas e cassaram concessões de emissoras de TV. Talvez por este motivo, Lula apareça rapidamente no filme, apenas como coadjuvante.

Quem assiste ao filme e não conhece nada da América do Sul, imagina que Chávez exerça uma liderança inequívoca, capaz de determinar os rumos da região. O que não se traduz na realidade, ainda mais no momento em que o Brasil está na “crista da onda”, mediando conflitos internacionais, sediando grandes eventos esportivos e ambicionando uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU.

O aspecto mais interessante do filme é a crítica ao FMI (Fundo Monetário Internacional) que lucrou com a recessão dos países sul-americanos. O pagamento da dívida resultou em inflação e, consequentemente, no caos social que tomou varreu o continente. Stone também acusa os EUA de terem apoiado o golpe sofrido pelo presidente venezuelano em 2002. O próprio New York Times defendeu a queda de Chávez em editorial.

Por falar em imprensa, no começo do filme, jornalistas da Fox News aparecem ridicularizando o hábito de mascar coca do presidente boliviano, numa grande demonstração de ignorância à cultura daquele país. A mídia conservadora e republicana norte-americana parece muito com a brasileira, pelo menos, no desrespeito aos líderes da América do Sul e na perseguição a grupos historicamente excluídos como imigrantes, negros, mulheres e índios.

Agora essa visão que o espírito bolivariano está transformando a América do Sul e poderá mudar o mundo é um tanto ingênua, para não dizer estúpida. Os países da região estão realmente tendo uma nova postura diante da Casa Branca, mas agem mais olhando para seus quintais, não há ainda uma integração sul-americana como propagada no filme.

Em Ao Sul da Fronteira, Oliver Stone mostra seu lado Michael Moore, tocando o dedo na ferida e criando polêmica. O diretor aparece entrevistando, batendo uma bola e até passando mal por causa da altitude em La Paz. Essa presença do diretor na frente das câmeras aumenta a impressão de filme-tese em que o autor abandona qualquer distanciamento e quer convencer o público de suas teorias. É bem verdade que algumas fazem todo sentido.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Um público a ser conquistado

Recentemente, foi aprovado na Comissão de Educação do Senado, o projeto PLS 185/08 que obriga a exibição mensal de filmes nacionais, por pelo menos duas horas, em escolas públicas e privadas. A medida, que deveria ser vista como uma ação de valorização da cultura brasileira, foi acusada de autoritária e ufanista nas redes sociais. Alguns acreditam que essa obrigatoriedade remete aos tempos da ditadura em que os estudantes tinham aulas de OSPB (Organização Social e Política Brasileira).

O projeto, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), quer que a produção cinematográfica nacional faça parte do currículo complementar das escolas. A iniciativa também vê o cinema como um importante recurso de aprendizagem em sala de aula. Sem dúvida, os educadores terão que criar um projeto pedagógico específico que contemple essas duas dimensões - filme como conteúdo e filme como instrumento.

Além dessa importante questão didática, o projeto ambiciona a formação de um novo público para o cinema nacional, que hoje depende de financiamento público. O que se vê nas salas de exibição são crianças e adolescentes que adoram os blockbusters hollywoodianos, mas que ignoram os longas produzidos no país. Se desde cedo, o interesse pelos filmes brasileiros for estimulado, as chances de novos admiradores serão maiores.

Quando os estudantes começarem a conhecer mais as obras do cinema nacional terão a oportunidade de desmistificar velhos preconceitos. A ideia de que filme brasileiro só retrata pobreza, sertão, violência e sexo é generalizada. Em parte, esse estereótipo é reforçado pelos próprios professores ou pais de alunos, que ainda associam nossa produção a títulos de mau gosto, como os da pornochanchada. Para quebrar esse paradigma, é importante a exibição desde clássicos até os últimos lançamentos.

O fato de o projeto obrigar a exibição de títulos nacionais causou muitas críticas no orkut e no twitter, até por parte de educadores. Alguns consideram que uma atividade imposta, em vez de aproximar os estudantes dos filmes brasileiros, pode ampliar a rejeição. Por isso, antes da implantação da medida é necessário que os professores sejam qualificados para que possam estimular o gosto pela sétima arte nos alunos. Não pode ser na base do castigo, tipo “não assistiu, nota zero”. Acima de tudo, deve ser uma experiência prazerosa.

Antes da sanção presidencial, o projeto precisa ser apreciado na Câmara dos Deputados. Agora é torcer por sua aprovação. Longe da unanimidade, a iniciativa ajuda a promover a cultura brasileira, principalmente na rede pública de ensino. A exibição de filmes nacionais nas escolas também fortalece a produção cinematográfica do país. Com novos fãs, os filmes passarão a ser valorizados e, quem sabe, conseguirão encher as salas de exibição no futuro, mesmo disputando com Avatar e cia.