sábado, 29 de janeiro de 2011

O casal símbolo da elite brasileira

Luciano Huck e Angélica são os rostos que melhor representam a elite brasileira. Ricos, brancos, profissionais de mídia e que adoram fazer “filantropia”. A capa da revista Veja desta semana ao estampá-los com a manchete a “Reinvenção do bom-mocismo” eleva o casal à perfeição, como um modelo a ser seguido. A publicação da editora Abril procura com isso rejuvenescer a cara da burguesia do país, que nos últimos tempos vem perdendo espaço na formação da opinião pública.

O que num primeiro parece caridade, na verdade, não passa de marketing pessoal. Durante a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro, Luciano Huck, que é o sócio do site de compras coletivas Peixe Urbano, lançou uma campanha, no mínimo, controversa. A compra de cupons por meio do site reverteria benefício às vítimas das enchentes. Detalhe, era necessário se cadastrar no canal de negócios de Huck. O apresentador global utilizou da comoção nacional para alavancar seu empreendimento,  fidelizando novos clientes, além de ter um ganho incalculável em sua imagem perante os brasileiros. Imagine o alcance dessa ação, levando-se em conta que ele possui mais de 2 milhões de seguidores no twitter. Realmente, o cara é um gênio do business.

Esse mesmo Luciano Huck em 2007 se mostrou revoltado com a violência urbana quando teve roubado seu Rolex na capital paulista. Na época ele escreveu um artigo publicado na Folha de S. Paulo em que se descrevia como alguém que “passa o dia pensando em como deixar as pessoas mais felizes e como tentar fazer este país mais bacana(...)”. O texto misturava desabafo de playboy com a histeria de alguém que, segundo ele próprio, paga uma fortuna com impostos e por isso exigia um melhor tratamento. É evidente que um assalto deixa qualquer vítima indignada e traumatizada, mas as palavras do apresentador global dava a impressão que logo ele não merecia passar por uma situação daquelas.

Huck apresenta um programa para toda a família, mas com grande apelo entre os jovens. Suas atrações são, em sua maioria, cópias de produções norte-americanas, como Lata Velha e Lar Doce Lar. Nelas, ele promove o mesmo assistencialismo que Gugu ou Celso Portioli cansam de mostrar, mas com uma roupagem moderna. A lógica é simples: o participante, sempre marcado por uma história triste, para conseguir o prêmio precisa superar desafios ou simplesmente “pagar mico”. O apresentador adora visitar comunidades pobres, como o Complexo do Alemão e a Rocinha, potencializando sua imagem de celebridade com responsabilidade social.

Neste momento em que a elite brasileira precisa se oxigenar, nada mais conveniente do que estampar um casal bem-sucedido e com grande credibilidade entre o público. Luciano Huck e Angélica são ótimos representantes de um segmento da sociedade que só se preocupa realmente com o povo para fazer marketing solidário ou para garantir alguns pontos no IBOPE.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A arte que transforma e humaniza



Um filme sobre o trabalho de um artista plástico de renome seria até interessante, mas dependendo do enfoque, poderia ser chato. Lixo Extraordinário, dirigido pela britânica Lucy Walker (Devil’s Playground) e codirigido pelos brasileiros João Jardim (Pro Dia Nascer Feliz) e Karen Harley, mostra o lixo sendo transformado em arte pelas mãos de Vik Muniz, o brasileiro de infância pobre que é cultuado no mundo por sua criatividade. Filmado em quase três anos, o longa retrata um universo esquecido, mas que se revela muito inspirador.

A ideia era mostrar a experiência do artista que faria um trabalho com pessoas que viviam literalmente do lixo no Jardim Gramacho, o maior aterro sanitário do mundo, em termos de volume despejado diariamente. Criado na década de 70, o local é o destino de 70% dos resíduos sólidos do Rio de Janeiro e 100% de quatro outras cidades. Vik demonstra  preocupação social ao reverter todo o dinheiro deste trabalho para a comunidade local. É lógico que muitos o acusarão de marketing pessoal.

Tião, Zumbi, Suelem, Isis, Magna, Irma e Valter foram os catadores escolhidos por Vik para ilustrarem sua futura exposição. Porém, o artista resolveu que eles não apenas posariam para as fotos, mas também participariam do processo de confecção dos mosaicos com materiais recicláveis feitos a partir de suas imagens. O resultado é tão surpreendente quanto belo. Plástico, alumínio e papel, tudo ganha forma com a arte.

No entanto, o mais rico e tocante de Lixo Extraordinário são as histórias de vida dos personagens retratados. Por trás daquelas mãos calejadas pelo trabalho duro no lixão, existem perdas irreparáveis, amores desfeitos e sonhos de uma vida melhor. São pessoas sofridas, mas que valorizam o pouco que conquistaram. O sentimento que marca seus depoimentos é uma amálgama de vergonha e orgulho, tristeza e alegria, resignação e esperança.

Mesmo sem essa intenção, Lixo Extraordinário expõe que a pobreza no Brasil tem cor, mesmo que muitos não concordem. Os sete catadores retratados são negros, como a maioria que ali está. Esses trabalhadores não escolheram esse ofício, se pudessem, certamente largariam aquela vida. Nesse sentido, a maior obra de Vik foi fazer com eles se vissem por outro ângulo, respeitados em sua dignidade humana. Falando em autoestima, os catadores fazem questão de ressaltar que são catadores de materiais recicláveis e não de lixo como se convencionou chamá-los. 
 
A realidade de catadores de lixo já foi abordada em outros documentários brasileiros como Estamira e À Margem do Lixo. Mas no longa de Lucy, há uma preocupação estética maior, com destaque para a fotografia de Dudu Miranda. É incrível como é possível encontrar exuberância num aterro sanitário. Vencedor de prêmios de público nos festivais de Sundance e Berlim ano passado e premiado no Festival de Paulínia como melhor documentário tanto pelo Júri Especial quanto pelo Júri Popular, Lixo Extraordinário emociona ao mostrar o poder transformador da arte.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Cibercrimes: Limites e alcances da rede


Nesta semana, o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore esteve na quarta edição da Campus Party, em São Paulo, e afirmou que a internet deve ser uma rede de comunicação livre, longe do controle dos poderes públicos e das grandes corporações. A declaração reforça os argumentos dos grupos contrários ao projeto(PL 84/99) de crimes eletrônicos do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG). A iniciativa é acusada de vigilantismo e criminalização em massa. Mas sem uma legislação específica para o que ocorre no ambiente virtual, como ficam as pessoas roubadas, ofendidas ou vítimas de outro crime na rede?

O jornal Estado de S. Paulo publicou hoje (dia 21) matéria que mostra que os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negaram o pedido de indenização por danos morais de uma mulher contra a Google. A solicitação ocorreu por causa de material ofensivo publicado no Orkut com o nome da autora. Em sua decisão, a relatora do processo, a ministra Nancy Andrighi, disse que "os provedores de conteúdo não respondem objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de informações ilegais e que eles não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações postadas no site por seus usuários".

Anteriormente, O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) já tinha isentando a Google por entender que a tarefa de fiscalização não pode ser exigida por um provedor de serviço de hospedagem, "já que a verificação do conteúdo das veiculações implicaria restrição da livre manifestação do pensamento".

Outra decisão que chamou a atenção nesta semana foi a da Justiça de Minas Gerais que condenou a Google a pagar R$ 5.100 a uma mulher vítima de uma comunidade ofensiva também no Orkut. A página tinha o título "Mais feia que [nome da vítima]? Duvido" e uma foto dela, além de textos ofensivos, como: "quando Deus criou a feiura, ela passou na fila 20 vezes!!!"; "não sei como ela consegue c axar bonita, c eu fosse ela eu seria complexada, nem keria sair na rua!!!" (sic).

Ao contrário do que ocorreu no caso julgado pelo STJ, a desembargadora Márcia de Paoli Balbino, relatora do recurso, diz que se o Google "é que proporciona, por seu canal próprio, o uso indevido pelos usuários, a empresa é corresponsável solidária, porque tem participação efetiva na cadeia do serviço com defeito ou falha".

Os dois casos mostram que realmente o Brasil carece de uma legislação específica para a internet. Diariamente, crimes de injúria, incitação à violência e racismo são cometidos no ciberespaço. Isso sem falar em golpes financeiros ou furtos de informações digitais. No entanto, a criação de um marco regulatório não pode ferir direitos fundamentais nem criminalizar ações cotidianas como o compartilhamento de músicas e arquivos.

A internet deve ter plena liberdade de conteúdo e acesso como defende Al Gore, mas isso não significa irresponsabilidade, quem comete um crime previsto no Código Penal precisa ser punido, se não, o mundo virtual será um espaço privilegiado da impunidade, como já é o real hoje em dia. Parece que esse debate está apenas começando.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O quê a mídia poderia ter feito?


Queria muito escrever sobre o que estou sentindo neste momento de comoção nacional diante da tragédia que causou a morte de mais de 500 pessoas no Rio de Janeiro. Mas o melhor que posso fazer é compartilhar com vocês o texto do Prof° Laurindo Lalo Leal Filho que reflete sobre o papel da mídia nessa tragédia.

Publicado originalmente no site Carta Maior

Tempo como serviço, não como espetáculo

Todas as redes comerciais de televisão no Brasil têm as suas moças do tempo. São herdeiras, em São Paulo, do Narciso Vernizzi, o primeiro “homem do tempo” da rádio Jovem Pan. Elas surgem do nada, entre uma notícia e outra, aparecem no canto da tela e caminham para o centro, mostrando mais que o tempo as suas belas curvas.

Em casa, o telespectador vê atrás das moças as indicações do clima e da temperatura em todo o Brasil. Com algumas variações, esse tipo de informação é universal. O canal mundial da BBC mostra o tempo em várias partes do mundo, sem as moças. São informações úteis, mas limitadas. Ajudam a sair de guarda-chuva no dia seguinte ou, aos viajantes, a escolha do que colocar na mala. Não sei se informações tão superficiais e genéricas contribuem para decisões mais importantes, como dos agricultores, por exemplo.

Apesar do avanço da internet, o rádio e a televisão ainda são os mais eficientes e abrangentes serviços públicos de informação. Não há outro meio que consiga falar de forma tão rápida para milhões de pessoas ao mesmo tempo. Em momentos críticos tornam-se imprescindíveis. Pena que, por aqui, são pouco usados nesse tipo de prestação de serviços.

No caso de tragédias, como as deste início de ano, ao invés de moças desfilando à frente de ilustrações artísticas, deveríamos ter as programações interrompidas. Em seu lugar seriam formadas cadeias nacionais ou locais de rádio e TV, antes das catástrofes, dando orientações seguras para a população. Sem pânico, mas com precisão e firmeza. E não generalizando com frases do tipo “chove no litoral do nordeste”. Trata-se de um de trabalho que deve ser o mais localizado possível, com o envolvimento articulado dos serviços de meteorologia, da defesa civil e do jornalismo, na produção das informações.

Quantas vidas não poderiam ter sido salvas se, em vez colocar no ar o Ratinho ou o Big Brother, as emissoras tivessem avisado à população de que fortes chuvas estavam previstas para a serra fluminense na noite anterior à tragédia, com instruções dos poderes públicos sobre como agir. Ou, no caso, de São Paulo que vias deveriam ser evitadas na iminência dos temporais, já que não há segredo nessa cidade sobre onde se localizam os eternos pontos de alagamento.

Para obter mais eficiência, esse serviço deveria ter seu foco nas informações locais. Dai a importância da regionalização das programações de rádio e TV, tão combatida pelos concessionários do setor. No entanto, são elas que darão às emissoras regionais e locais experiência, tanto na produção como na técnica, para enfrentar com competência situações extraordinárias. Nem todos se salvariam, é verdade. Mas, com certeza, os danos seriam menores.

Furacões violentos que varrem o Caribe todos os anos causam grandes estragos materiais em Cuba, mas pouquíssimas vítimas. Simplesmente porque as autoridades estabelecem planos precisos para a retirada da população das áreas criticas e a orientam através do rádio e da TV, com razoável antecedência, sobre as medidas que devem ser tomadas. 

Muitos navios não foram à pique na costa brasileira graças ao programa radiofônico “A Voz do Brasil”. A seção “Aviso aos navegantes” informava todos os dias, minuciosamente, as condições das bóias de luz, sinalizadoras dos perigos naturais existentes no mar. Era o rádio atuando como serviço público numa época de recursos eletrônicos muito limitados, se comparada aos hoje existentes. Satélites transmitem informações meteorológicas com alto grau de precisão e as redes de rádio e TV cobrem todo o território nacional.

Falta apenas articular esses dois serviços com planos nacionais e locais de prevenção à catástrofes naturais. No caso das enchentes no Sudeste e Centro-Oeste, trata-se de problema datado, de dezembro a março. Há todo o resto do ano para o trabalho de planejamento e articulação. Quem toma a iniciativa?

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A 'verdade' da mídia


“Estamos vivendo duas histórias distintas: a de verdade e a criada pelos meios de comunicação. O paradoxo, o drama e o perigo estão no fato de conhecemos cada vez mais a história criada pelos meios de comunicação e não a de verdade”.
Ryszard Kapuscinsk

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Quem vem acompanhando o noticiário desta semana terá a forte impressão que o governo Dilma está em plena crise. Briga com o PMDB pela indicação de nomes para o segundo escalão, a alta da inflação, o valor do salário mínimo, a extradição de Cesari Battisti, entre outros fatos. 

Sem dúvida, esses problemas exigem a atenção da nova governante, mas sob o olhar da grande imprensa, são superdimensionados de modo que desgastem um governo que tem apenas cinco dias de atuação. Fora isso, o ex-presidente Lula continua na pauta dos jornalões, ora sendo questionado por sua estadia numa base militar no Guarujá, ora pelo fato de seus filhos terem obtido o passaporte diplomático. 

Na verdade, parece que a trégua não durou muito. Já na posse, alguns jornalistas criticavam o discurso de Dilma ou mesmo a quebra de protocolos de Lula. Esta primeira semana indica que o comportamento da imprensa em relação ao novo governo será tão ou mais inquisidor do que foi durante os oito anos de Lula. Aguardemos.


Em tempo(09/01): A polêmica de hoje que envolve Dilma é a retirada do crucifixo e da bíblia de seu gabinete. Em nota, a ministra Helena Chagas já desmentiu essa informação. Resta saber agora qual será o novo factóide criado pela mídia. A única certeza é que essa patrulha está apenas começando.